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O Conto da Aia está mais ATUAL do que nunca

Atualizado: 4 de dez. de 2024

Trata-se de uma narrativa atemporal sobre a exploração do corpo feminino e o fanatismo religioso

Este post pode até parecer ser algo obsoleto, uma vez que O conto da aia, escrito por Margaret Atwood, foi publicado pela primeira vez em 1985 e, desde então, foram escritas várias análises literárias sobre esse livro tão importante para a literatura de língua inglesa. É comum também perceber que, nessas análises, dois temas estão sempre presentes, quais sejam o machismo (e a opressão feminina) e o fanatismo religioso.


Entretanto, por mais que esses assuntos já tenham sido muito discutidos em se tratando das análises de O conto da aia, eles nunca se esgotam. Mais do que isso, dadas as circunstâncias atuais do nosso país e também do mundo, a distopia de Atwood se mostra cada vez mais atual, e os temas discutidos na narrativa se apresentam cada vez mais presentes na nossa realidade. Apesar da nossa busca pelo melhor, a sociedade tem se regredido cada vez mais, baseada em crenças obsoletas e em preconceitos e ideias infundadas.


A República de Gilead e o papel das mulheres


De todo modo, iniciemos do começo. Para quem ainda não conhece o livro, ele é narrado em primeira pessoa por June, uma mulher que agora sofre nas mãos de um governo totalitário e fundamentalmente cristão. Nessa realidade, o que antes eram os Estados Unidos se tornaram a República de Gilead, depois de uma série de acontecimentos misteriosos, arquitetados por um grupo radical que se autointitulavam de Filhos de Jacó. Nessa época, os EUA passavam por uma onda de infertilidade, com taxas de nascimentos caindo constantemente, por conta de fatores como altos níveis de radiação e de poluição emitidos na atmosfera. Para esse grupo, a volta à tradição, com o rígido controle dos papéis de gênero, seria a solução para esse problema. Então, eles, por meio de um golpe de Estado, assumem o governo dos EUA e começam a implantar o novo regime teocrático em que cada grupo de pessoas deve interpretar um papel específico, seguindo as diretrizes da Lei (o Antigo Testamento).


Assim, a sociedade é dividida em uma espécie de castas. Os Comandantes são os homens mais importantes do novo governo e, de acordo com a narrativa, até eles têm um papel para representar, apesar de, por serem importantes, conseguirem burlar as regras mais facilmente; as Esposas (dos Comandantes) cumprem o papel de cuidar do lar; e as Aias, as poucas mulheres que ainda são férteis, têm o papel de servir aos comandantes e a suas esposas, gerando a elas (em sua grande maioria estéreis, dizem) bebês.


Há outros grupos de pessoas, como as Tias (responsáveis por doutrinar as mulheres que se tornarão Aias - as únicas mulheres que podem ler e escrever nesse contexto), as Marthas (uma espécie de diaristas, que cuidam das casas dos Comandantes), os Guardiões (soldados do novo regime), os Olhos (responsáveis por averiguar se todos estão cumprindo seus papéis determinados), entre outros.


O conto da aia e a sociedade atual


Dessa forma, percebe-se, desde já, o caráter extremamente patriarcal dessa sociedade governada por homens, baseadas no Antigo Testamento da Bíblia, o que não se encontra muito distante da realidade em que ainda vivemos: em uma pesquisa rápida é possível perceber que as mulheres, apesar de serem a maioria, ainda são quem menos ocupam cargos importantes, são quem recebe os menores salários etc.. Em O conto da aia, as mulheres são despidas de suas posses, de sua vida, de seu nome, para que sejam cumpridas as necessidades de Gilead.

[...] trocávamos nomes, de cama em cama: Alma. Janine. Dolores. Moira. June.

Um aspecto interessante da construção desse mundo criado por Margaret Atwood é a quantidade de simbolismo presente na narrativa. Além das referências explícitas aos escritos excludentes e arcaicos do Antigo Testamento, a autora consegue referenciar diferentes acontecimentos da realidade em seu mundo fictício, como o uso das mulheres como escravas sexuais, que acontece em diversos lugares do mundo, ou até mesmo a existência de grupos religiosos radicais que buscam, entre outras coisas, a volta a tradição, como uma tentativa de voltar "aos bons tempos", sejam eles quais fossem.


A grande onda de conservadorismo que tomou conta do Brasil, assim como de outros países como os Estados Unidos, reitera a atualidade do livro de Atwood. Grande é o número de grupos de pessoas que gritam pelo mundo frases feitas como "Deus acima de tudo", justificando atos injustificáveis com acontecimentos aleatórios da bíblia ou de outros livros sagrados, como é o que acontece no romance de Margaret Atwood. Sem contar a hipocrisia existente dessas pessoas que se utilizam de trechos da bíblia para excluir determinadas minorias.


Além de referências a fatos e acontecimentos que já estão presentes na nossa sociedade, a autora consegue, por meio de uma escrita detalhada e intimista, passar ao leitor a sensação de prisão e solidão vivenciada pela protagonista, a qual, na história, serve ao comandante Waterford, um comandante do alto escalão da sociedade de Gilead. O livro é cheio de descrições a respeito de como é a casa, o quarto, as escadas, e tudo mais onde June vive, já que observar essas pequenas coisas é seu escape da realidade opressora em que vive, é o que a faz lembrar de tempos antigos (nesse caso, em tempos em que as coisas eram normais).

Melhor nunca significa melhor para todo mundo, diz ele. Sempre significa pior, para alguns.

Na narrativa, somos imersos a uma inércia proposital, que nos faz vivenciar a inércia em que vivem as aias, as quais têm como único meio de distração a ida aos mercados fazer compras, sempre andando em duas, para que uma vigie a outra (e esse é outro paralelo interesante com a realidade: a cultura da rivalidade feminina, que faz com que uma não consiga acreditar nem se aliar a outras).

De todo modo, para que esse texto não se estenda por muitos outros parágrafos, concluo falando sobre a importância atemporal desse livro, por, entre outras coisas, levar o leitor a refletir sobre questões que, infelizmente, continuam muito presentes na nossa realidade.


Com uma escrita simples e fluida, mas muito detalhista (para cumprir com o propósito de criar um ambiente prisional e de solidão para a protagonista), a autora consegue passar para o papel uma história bastante triste e atual (o que deixa tudo ainda mais triste) sobre a exploração do corpo feminino, sobre o machismo e o sexismo, sobre intolerância e fanatismo religioso; sobre uma realidade que não está muito longe da nossa, infelizmente.


Por hoje é só, pessoas do meu coração <3

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Até o próximo.

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