Quem é, realmente, o MONSTRO em Frankenstein?
- Leonardo Rodrigues
- 9 de jan. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 4 de dez. de 2024
Mary Shelley cria um clássico do terror que, nas entrelinhas, tem muito mais coisa que sustos e medo.

É interessante notar como as histórias clássicas são passíveis de mutações no decorrer dos anos e como essa capacidade de mutação interfere nas impressões que temos sobre determinados produtos culturais. Frankenstein, romance publicado pela primeira vez em 1818 e escrito por Mary Shelley, é uma dessas obras que sofreram muitas mutações, resultando em inúmeros filmes e em muitas outras aparições do monstro verde e costurado em outras obras audiovisuais. Cada uma dessas obras focavam em determinados assuntos e tinha um enredo diferente seguindo o propósito de cada produção e, em meio a esse leque de diferentes visões de uma mesma coisa, acabamos por perder o cerne, o norte, a origem da história "conhecida" por todos.
Tremi, e meu coração desfaleceu dentro de mim, quando, ao olhar para cima, vi, à luz do luar, o demônio na janela.
Foi exatamente isso que aconteceu durante a minha leitura do clássico do terror de Shelley (e da primeiríssima obra de ficção científica). Comecei a obra acreditando saber de boa parte da história, afinal, já tinha assistido a algumas das adaptações dela, mas a surpresa foi grande ao perceber que o livro original é muito mais complexo do que muitas das histórias que o sucederam. O mote é o mesmo: um cientista dá vida a uma criatura horrenda que acaba por aterrorizá-lo durante o resto de sua vida, mas a narrativa é muito mais que isso.
A discussão principal, ao meu ver, é sobre a essência humana e, sobretudo, sobre o modo como enxergamos os outros ao nosso redor. A partir do momento em que Victor Frankenstein termina com êxito sua experiência mórbida de dar vida a algo inanimado, criador e criatura passam a viver no mesmo mundo e a enxergar esse mundo cada qual a sua maneira - da mesma forma, o mundo também passa a reagir de formas diferentes a cada um deles. Por um lado, Victor sofre por conta do remorso que sente por causa de sua criação (que de certa forma foi uma deturpação da ordem natural das coisas), mas recebe apoio dos familiares e amigos com intuito de reerguer o homem quase destruído pelas suas próprias maquinações. Por outro lado, o monstro, rejeitado pelo seu próprio criador, sofre na tentativa de sobreviver ao mundo humano e, principalmente, sofre ao perceber que, por conta de sua aparência, nunca vai ser aceito na sociedade.
Possuo boas intenções, minha vida até agora tem sido inofensiva e, em certo grau, até benéfica, mas um preconceito fatal turva os olhos deles.
Um acontecimento ilustra claramente o preconceito sofrido pelo monstro, o qual pode muito bem ser relacionado com o preconceito que, ainda hoje, as pessoas que estão fora dos padrões da sociedade sofrem. Ele, depois de vagar pela Europa encontrando apenas rejeição, encontra uma família de camponeses composta pelo pai cego e seus dois filhos (uma filha e um filho) vivendo de forma pacata suas vidas. A criatura de Frankenstein então passa a observar a família e percebe que eles, assim como ele, vivem tristes. O tempo passa e, a partir da observação, o monstro aprende os modos humanos de viver e se afeiçoa por aquelas pessoas tão puras de coração. Ele pensa consigo mesmo sobre se apresentar para a família, esperando um acolhimento, e quando apenas o velho cego está em casa, ele aparece. Os dois conversam e o velho percebe a bondade interior da criatura. Infelizmente, com a chegada dos filhos, que se assustam com a aparência da criatura, ela é maltratada e precisa, novamente, fugir.
A aparência, mais uma vez, se sobrepõe à essência e é dessa não aceitação e da violência sofrida pela rejeição e pelo preconceito, que o demônio de Frankenstein passa a odiar a humanidade e, mais ainda, seu próprio criador que, ao contrário de Deus, abandonou sua criação. É daí que surgem os assassinatos misteriosos e os ataques a Victor, daí que surgem os elementos do terror da narrativa - narrativa essa que tem um fluxo rápido e empolgante (apesar da grande adjetivação presente no texto, que na minha opinião trunca um pouco a narração).

De todo modo, Frankenstein, uma das três grandes obras do terror segundo Stephen King, apresenta uma história assustadora e instigante que entretém o leitor menos ligado às entrelinhas dos textos, mas que também aguça a imaginação de leitores mais críticos, apresentando uma crítica forte (talvez até de forma não-intencional) à cultura da exaltação da aparência em detrimento à essência humana.
Espero que tenham gostado dessa breve discussão sobre os sentimentos em mim suscitados com a leitura desse clássico da literatura mundial.
Até breve com as próximas divagações.
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