Vozes de Tchernóbil: As VOZES de uma CATÁSTROFE
- Leonardo Rodrigues
- 23 de dez. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 4 de dez. de 2024
O livro de Svetlana Aleksiévitch, ganhador do Nobel, explicita a tragédia segundo os sobreviventes

O desastre de Chernobyl, ocorrido em 26 de abril de 1986, é uma das catástrofes mundiais que mais me choca e mais me apavora pelo simples fato de ter acontecido por conta de erros humanos, seja na explosão do reator em si, seja nos modos como o governo lidou com os acontecimentos. Assim, o desastre choca não apenas por si só, mas pela ignorância humana transvestida numa falsa ideia de "preocupação" do Estado por essas vítimas.
Dito isso, vamos à resenha: Vozes de Tchernóbil, vencedor do Nobel de Literatura de 2015, é uma perfeita explicitação dos ecos das vozes de Chernobyl, vozes essas que ao mesmo tempo que ecoam e que ecoarão pela eternidade, na realidade nunca teriam sido ditas se não fosse pela investigação jornalística bem feita de Svetlana Aleksiévitch. Dessa forma, são vozes que não seriam pronunciadas de outra forma e que, depois de ditas, tornam-se um dos modos pelos quais quem assistiu o acontecimento e ainda assiste seus ecos de fora conheça, pelo menos um pouco, o que de fato ocorreu naquela madrugada do dia 26 de abril e o que tem acontecido desde então.
[...] quando fazem fila, essas crianças desmaiam, quando ficam em pé por quinze ou vinte minutos, vertem sangue pelo nariz [...] Eles não parecem crianças.
Geralmente, livros jornalísticos costumam ter uma estrutura diferente da estrutura que o livro de Aleksiévitch apresenta, sendo mais uma reportagem, com a voz do jornalista (narrador) falando sobre o tema. Mas a estrutura de Vozes de Tchernóbil é diferente, pois a narradora mal apresenta sua voz (esta aparece na obra apenas em momentos pontuais, de modo a explicar como cada entrevistado se sente), já que o foco é exatamente imortalizar as vozes dos sobreviventes da catástrofe e, como já dito, entender o que essas vozes têm para nos apresentar.

Assim, por meio da voz de uma mãe, compreendemos os sentimentos conflitantes a respeito de seus medos e inquietações sobre o futuro de sua criança franzina que é um "filho de Chernobyl" — impossível não sentir um aperto estranho no peito quando se lê: "Concordo que ela se torne uma rã de laboratório, um coelhinho cobaia, apenas para que sobreviva (chora)"; pela voz de um soldado, entendemos, um pouco, sobre a operação de guerra empenhada para enterrar toda uma terra contaminada (literalmente o solo de uma região circundante do reator de raio de 30km, bem como árvores e casas); por meio do que um ex-funcionário do governo diz, enxergamos as tentativas de silenciamento da tragédia pelo Estado Soviético; por meio de uma simples moradora de Pripyat (a cidade que fica ao lado da central de Chernobyl), compreendemos que os evacuados daquele lugar não sabiam e talvez nunca souberam do que estavam fugindo.
Os jornais e as revistas competem entre si para ver quem escreve as coisas mais terríveis, e esses horrores agradam, sobretudo, àqueles que não os viveram.
Por esses exemplos, que não resume a obra, mas aponta sua natureza e sensibilidade, então, concluo este texto dizendo que Vozes de Chernobyl é uma narrativa insana e extremamente forte que faz o leitor conhecer muito mais sobre os acontecimentos que, se ficaram marcados no imaginário do mundo inteiro, ficaram cicatrizados na mentalidade dessas pessoas que viveram na pele o contato com a ignorância humana transvestida por uma radiação desconhecida que envenena e mata.
A nós, fica a mensagem de um professor universitário que se apresenta como uma das vozes de Chernobyl: "o que é melhor: lembrar ou esquecer?".
Uma dica para a leitura dessa obra é, antes, assistir à minissérie Chernobyl da HBO (disponível na HBO Max), já que a minissérie é uma representação visual muito fiel ao contexto, o que ajuda, na hora da leitura, na visualização dos acontecimentos narrados pelas vozes.
Por hoje, é isso!
Vamos conversar sobre livros (e filmes e séries) pelo Instagram @leonardojrod.
Até logo!
Comments