O melhor dos MELHORES: Vidas Secas, de Graciliano Ramos
- Leonardo Rodrigues
- 1 de fev. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 4 de dez. de 2024
Depois de tantas análises dessa obra marcante de Graciliano Ramos, resta-me falar da esperança ilusória que toma conta do livro, do início ao fim.

Antes de começar, talvez essa análise ofereça algumas dicas dos acontecimentos do livro, portanto, se você não gosta de spoilers, deixe para lê-la apenas depois da leitura do livro; se você não tem problemas quanto a isso, espero que goste da leitura deste texto.
Sobre o autor e a obra
Graciliano Ramos nasceu em uma pequena cidade do estado de Alagoas em 1892 e foi um importante jornalista e escritor brasileiro. Em 1938, publicou o livro que, futuramente, seria considerado por muitos (inclusive por mim) como sua maior obra, Vidas Secas. De uma forma bastante resumida, e até simplista, o livro retrata uma família sertaneja, que habita o sertão nordestino e luta para sobreviver frente às dificuldades impostas.
Em se tratando do contexto em que o livro foi publicado, Ramos teve grande influência do Marxismo e até chegou a ser preso, em 1936, após ter sido acusado de ser comunista. Nesse sentido, Vidas Secas faz uma crítica aos modos de vida da sociedade brasileira da época, em que as pessoas mais simples e menos favorecidas, as quais estavam (e ainda estão) sempre à margem da sociedade, sofriam com a pobreza e com a exploração pelos mais privilegiados.
Literariamente, a obra se encaixa na segunda fase do Modernismo, quando os ideais discutidos e propostos na Semana de Arte Moderna de 1922 estão se consolidando. Todo esse contexto resulta num livro bastante experimental que, concordando com as ideias modernistas de ruptura do tradicional e de criação de uma literatura (e de uma arte, num âmbito mais geral) genuinamente brasileira, torna-se um importante exemplo da literatura modernista do país.
As vidas secas do sertão
Vidas Secas é constituído por capítulos aparentemente soltos (minha impressão e a de muitos foi a de ler pequenos contos com protagonistas em comum), narrados por um narrador onisciente que tem como função principal apresentar, por meio de fatos aparentemente isolados, a vivência do homem sertanejo. Mais que isso, a onisciência do narrador nos permite visualizar a essência desses sujeitos, marcada muitas vezes pelas dificuldades sofridas nas tentativas de se livrarem da seca que assola o sertão.

"Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos [...] Sinha Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo [...] O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás."
Inicialmente, é essa a imagem projetada na mente do leitor ao ler os primeiros parágrafos de Vidas Secas. A obra de Portinari é a perfeita representação da família de Fabiano que, logo no início do livro, está fugindo da seca, arrastando-se pela caatinga, pelo sertão, em busca de um recomeço. Mais a frente, encontram uma fazenda abandonada e é nessa fazenda que esse recomeço se materializa - Fabiano é contratado como vaqueiro e a vida começa a "melhorar". Aqui, vale ressaltar que o narrador se esmera bastante na construção das personagens, as quais adquirem grande complexidade no decorrer da narrativa. Sinha Vitória é a esposa "entregue aos arranjos da casa"; Fabiano é o homem bruto, que se comunica com grunhidos, "pensava pouco, desejava pouco e obedecia"; os filhos, ambos crianças, ao contrário dos pais, são curiosos em relação às maravilhas do mundo.
Outro ponto interessante é a dificuldade dos protagonistas de viverem plenamente em um mundo no qual eles parecem não fazer parte. Se no começo e no final da narrativa, como um ciclo que se repete infinitamente, os retirantes sofrem com as dificuldades causadas pela seca, no capítulo intitulado de "Inverno", Fabiano e a família passam por apuros por conta das chuvas. Mas que isso, ao irem a uma festa de Natal na cidade, a família percebe não se encaixar aos costumes: Fabiano e a esposa se sentiam incomodados com as roupas que usavam, ao passo que os meninos sentiam medo e "retraíam-se, encostavam-se às paredes, meio encandeados, os ouvidos cheios de rumores estranhos". Até Baleia, a cachorra, desdenhava de tudo aquilo: "quis latir, expressar oposição a tudo aquilo, mas percebeu que não convenceria ninguém e encolheu-se, baixou a calda, resignou-se aos caprichos de seus donos".
Ainda, é nesse mundo de dificuldades que o dono da lojinha na vila parece sempre passar a perna em Fabiano. É aí que a polícia abusa de seu poder e humilha Fabiano e que um Patrão explora o sertanejo criando dívidas e mais dívidas na suposta conta do empregado. Nota-se que a polícia é representada no romance por um "Soldado Amarelo" generalizado e o patrão é simplesmente um Patrão (que contribui para que o leitor se atente para a existência de muitos soldados amarelos e muitos Patrões exploradores no contexto do sertão - e fora dele).
A esperança fraca e ilusória que percorre a obra
Apesar de tudo o que já foi dito, há no sertão uma esperança que move o sertanejo e, no caso de Vidas Secas, essa esperança também move a narrativa de Graciliano Ramos. No texto, esse aspecto é marcado pelo uso poético do modo subjuntivo, que dá a ideia de acontecimentos que "poderiam" acontecer. Fabiano muitas vezes se encontra pensando em futuros ideais: "estava escondido no mato como tatu. Duro, lerdo como tatu. Mas um dia sairia da toca, andaria com a cabeça levantada, seria um homem". Da mesma forma, a esposa sonhava com as noites em que dormiria numa cama de couro "igual à de seu Tomás da bolandeira". O filho mais novo via-se crescido: "quando fosse homem, caminharia assim, pesado, cambaio, importante, as rosetas das esporas tilintando. Saltaria no lombo de um cavalo brabo e voaria na catinga".
Baleia, por sua vez, tem a esperança de um mundo melhor, onde "lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme".
"Enganava. Que remédio? Fabiano, um desgraçado, um cabra, dormia na cadeia e aguentava zinco no lombo. Podia reagir? Não podia".
Entretanto, essa esperança é fraca e ilusória. Ao fim da narrativa, Fabiano tem uma espécie de choque de realidade e percebe que ele sempre se enganou. Percebe que, infelizmente, sinha Vitória nunca conseguiria estender-se sobre uma cama apropriada, assim como seus próprios anseios, que nunca seriam propriamente correspondidos.
Nesse momento, também, o protagonista se prepara para fugir da seca novamente e, como eu já mencionei, o livro acaba praticamente como começa, com os retirantes marchando para um novo e incerto lugar - agora, talvez, com uma esperança ainda mais fraca e mais ilusória.
"Falou no passado, confundiu-o com o futuro."
Enfim, essa é minha breve análise dessa grande obra de Graciliano Ramos. É apenas um texto, no qual imprimi as principais impressões que tive durante a leitura, e que não tem como propósito ser uma análise literária propriamente dita. Para isso, obviamente, eu necessitaria de um aporte teórico muito maior do que o que eu tive aqui.
Se você já leu Vidas Secas, comente (aqui ou nas redes sociais) suas impressões sobre a obra. Se não leu, fica a dica: é um livro pequeno, de fácil leitura e que tem uma mensagem atemporal.
De toda forma, é isso!
Até a próxima! Grande abraço :)
Ah, vamos conversar sobre Vidas Secas ou outro livro nas redes sociais ou nos comentários???
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