A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes: o presidente SNOW é injustiçado?
- Leonardo Rodrigues
- 8 de set. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 4 de dez. de 2024
Em uma narrativa longa, Suzanne Collins presenteia os fãs de Jogos Vorazes com a origem do Presidente Snow, o grande vilão da saga. Resta saber se foi uma origem convincente...

Fiquei bastante animado com a notícia de que Suzanne Collins estava produzindo um prequel (uma história que antecede a narrativa principal) da saga best seller Jogos Vorazes, que fez muito sucesso no início da década passada. A animação causada pela notícia, com certeza, teve relação com meu pessoal apreço pela história construída por Collins, pois Jogos Vorazes certamente é uma, se não a, das minhas sagas de livros (e filmes, já que para mim os filmes são muito bem adaptados) preferidas.
O sentimento, entretanto, de excitação por causa de um suposto livro novo desse universo que me marcou tanto, e que provavelmente marcou toda uma geração de jovens leitores, se misturou com um receio de que talvez a história "estragasse" de alguma forma as boas memórias construídas com a leitura da saga original. Provavelmente o fato de o protagonista da nova história ser o principal vilão da narrativa de Katniss Everdeen, o Presidente Snow, tenha acentuado esse sentimento de receio. De todo modo, isso não acontece e, no geral, o recorte escolhido por Collins da história do jovem Coriolanus Snow cumpre sua função de apresentar parte das origens do marcante Presidente Snow.
Depois de toda essa introdução, vamos ao livro propriamente dito. A cantiga dos pássaros e das serpentes se passa dez anos após o fim da guerra que conhecemos em Jogos Vorazes como os Dias Escuros, e a família Snow, a qual no passado fora uma das mais poderosas e ricas da Capital, agora luta para manter esse status no meio de uma grande recessão da Capital. Então, o jovem Snow percebe que, para não acabar desmoralizando toda a família por conta da pobreza que os assola, sua chance de voltar a ter poder é se apegando a qualquer oportunidade de entrar na Universidade, agora que seu período na Academia (uma espécie de ensino médio) estava acabando.
E a oportunidade surge com a décima edição dos Jogos Vorazes, a qual tem como novidade o programa de mentores, em que cada tributo receberia um mentor da Capital, que seria escolhido entre os melhores estudantes da Academia. Snow se torna mentor e, para sua infelicidade, o tributo designado a ele é a garota do pobre e debilitado Distrito 12, Lucy Gray. Contra todas as possibilidades, Coriolanus começa a criar planos a fim de vencer a competição e a ganhar a tão sonhada bolsa de ingresso à Universidade.

A narrativa, ao contrário dos dois primeiros livros da saga, não tem como foco os Jogos Vorazes. A história segue os passos de Coriolanus Snow durante um determinado período de tempo que foi marcante na constituição de sua personalidade e de suas convicções sobre a vida em Panem, portanto, os Jogos e consequentemente seu envolvimento com Lucy Gray, não são mais que acontecimentos que serviram como molde do caráter do futuro presidente de Panem. Esse fato, de certa forma, pode causar estranhamento em alguém que espere durante a leitura por um clímax na história, por um momento decisivo na narrativa; o que não vai acontecer.
Então, o que faz o leitor querer continuar a leitura? Para mim, é simples: a curiosidade. A curiosidade por saber mais sobre a origem dos jogos, sobre o passado do Distrito 12 e sobre o próprio Snow e suas relações pessoais. Como sabemos exatamente o futuro do protagonista, como sabemos o que o jovem e ambicioso Coriolanus Snow vai se tornar, o leitor fica esperando pelo momento em que essa mudança acontece - e ela não acontece abruptamente, mas sim construída durante as 574 páginas do livro. Esse é um dos trunfos da Cantiga, já que é estranho e interessante ler, por meio de um narrador onisciente, os pensamentos emotivos e até bondosos de alguém que já conhecemos como o Presidente Snow.
E, se é legal ouvir os pensamentos de Coriolanus, melhor ainda é perceber sua interação com as pessoas ao seu redor: sua família, seus colegas da Academia e com Lucy Gray. Vê-se uma nova faceta, menos fechada, até então, de um Snow que sofre ao ver a prima Tigris (SIM, ELA MESMO) tendo que se submeter a formas não convencionais de trabalho para conseguir dinheiro para a casa, que sorri e vibra ao perceber que está amando uma garota, mas que, mesmo assim, hostiliza colegas e faz de tudo para alcançar seus objetivos, desde trapaçear, até trair pessoas próximas a si.
"Se as pessoas tivessem alguém por quem torcer, talvez acabassem se interessando por assistir aos Jogos Vorazes"
Sobre os Jogos, Collins reconstitui a origem desse evento tão importante para a Capital mostrando a desorganização e, de certa forma, a falta de propósito que esse evento tinha, pelo menos até a décima edição, quando Snow está participando como mentor de Lucy. Se na septuagésima quarta edição, Katniss e Peeta Melark são preparados e tratados com todo luxo da Capital, aqui, Lucy é carregada de um lado para o outro com os outros tributos em caminhões de carregar vacas para serem expostos no zoológico da cidade; isso sem contar a desorganização dos Jogos em si: praticamente quase metade dos tributos nem chegam a entrar na arena, pois morrem antes. Então, algumas das características que já conhecemos dos Jogos vão sendo acrescentadas ao evento, como os patrocínios, os prêmios e a função principal dos Jogos Vorazes: punir, lembrar e controlar os distritos.
Por fim, chegamos aos fã-services que servem muito bem e funcionam na narrativa. Não estão lá apenas para satisfazer os fãs. É por meio da inserção de elementos marcantes da saga original, como a narração do acontecimento que serve de inspiração para a canção "A árvore-forca" e a presença ininterrupta de tordos sussurrando coisas, que entende-se a natureza defensiva de Snow e seu asco às causas rebeldes.

A cantiga dos pássaros e das serpentes é um livro que cumpre seu papel: apresentar não a história, mas um recorte decisivo da história de Coriolanus Snow; o momento em que ele se torna o Snow mais próximo do que conhecemos. Collins constrói bem a narrativa em torno do protagonista Snow, sem deixar de lembrar a todo momento, por meio da exposição de pensamentos ambiciosos e egoístas, que ele, apesar de tudo, é o vilão Snow.
Aproveito, até, para frisar o que muitos já disseram: A cantiga não tenta relativizar a maldade de Snow, nem humanizar suas ações despóticas, pelo contrário, constrói o jovem que, por conta de tantos acontecimentos conturbados envolvendo a guerra, os rebeldes e traições, acaba por se afeiçoar pelos ideais da Capital, pela ideia de que o caos deveria ser controlado sempre por meio de um contrato social.
Por hoje é só! Senti falta de alguns acontecimentos na narrativa, como os narrados por Finnick Odair em A esperança. Por causa do tamanho do livro, pensei que o recorte temporal escolhido pela autora podia ser maior. O que vocês que já leram acham? Será se a autora planeja escrever mais sobre Coriolanus Snow em um futuro próximo?
Abraços!
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